Resenha!: O Som e a Fúria (William Faulkner)
Livro: O Som e a Fúria (The sound and the fury)
Autor: William Faulkner
Número de páginas: 376
Editora: Companhia das letras
Edição: Brochura
Nossa.
Eu acho que não existe palavra melhor para descrever meu sentimento após o termino da leitura. "Nossa" foi o que repeti para mim mesmo durante alguns minutos, e sempre que me paro e pego pensando nesse livro, a mesma palavra volta a martelar a minha cabeça.
Eu honestamente estou um pouco receoso de tentar montar um opinião completa dentro dessa resenha, porque se eu realmente tentar descrever tudo o que se passou em mim durante a leitura, as impressões que eu tive, as ideias que me atormentaram e as reflexões que o capítulo inteiro do Quentin geraram em mim, primeiro que acho que não terei palavras o suficiente para me expressar, segundo: acho que, se tivesse, esse texto teria que ser dividido em, no mínimo, cinco partes. Então, o que eu vou tentar fazer aqui hoje é montar uma crítica bem justa no tocante à estrutura narrativa da obra, deixando, no final, uma série de links externos que possuem texto ligados à obra que conseguiram me ajudar a entender o enredo. Agora que eu parei pra pensar, também vou explicar como eu fiz para manter a leitura sem querer desistir do livro haha. Então, vamos lá!
O Som e a Fúria é um livro escrito por William Faulkner, um dos ganhadores do prêmio nobel e expoente do modernismo americano. O enredo da obra é relativamente simples: Aqui, nós acompanhamos em quatro dias distintos, os acontecimentos que marcam um cenário de uma família completamente decadente do sul dos Estados Unidos, isso, na época que se seguia ao final da guerra de secessão. Então já é possível imaginar muito preconceito e um cenário relativamente triste. A família Compson é a protagonista da história que nos é contada, e seus integrantes são vários: Caroline e Jason Compson, os pais das crianças, Quentin, o filho mais velho que foi estudar em Harvard e nutria um amor incestuoso pela irmã, Candance, a filha que cresceu malsinada, casando-se com um homem enquanto carregava o filho de um desconhecido, Benjamin, que antes se chamava Maury, mas teve seu nome alterado após descobrirem sua deficiência mental e, por fim, Jason, um dos maiores antagonistas da literatura norte-americana. É possível perceber que cada membro da família carrega consigo uma peculiaridade, e é exatamente esses pontos que são a peça chave da história. As personagens citadas são os membros de sangue da família, mas temos também, como descreveria o apêndice da edição, os negros que trabalhavam para a família eles resistiram: Dilsey, a verdadeira matriarca, Versh, Frony, T.P e Luster. Todos eles são tão importantes quanto os próprios Compson.
Acho que o parágrafo anterior já dá um panorama interessante do que se trata a obra. Fatos simples, mas situações extremamente complexas são o estopim para o desenrolar da história, e o ponto mais interessante é que o livro em si se trata da mesma coisa o tempo todo, mas sempre do ponto de vista de algum personagem diferente: o primeiro é narrado pela consciência de Benjamin, apelidado de Benjy pelos irmãos, o segundo pelo ponto de vista de Quentin, que intercala momentos presentes com acontecimentos do passado durante todo o tempo, o terceiro pela distorcida visão moral e de Jason e, por fim, para quebrar a estrutura criada em todos os anteriores, o quarto é escrito em terceira pessoa, apesar do foco maior ser em Dilsey. Mas isso é consideravelmente comum quando se trata da atualidade, certo? Temos livros de renome que usam da mesma estrutura para dividir os capítulos de sua obra, como George RR Martin fez em todos os cinco volumes de As crônicas de gelo e fogo. Só que aqui não estamos tratando da contemporaneidade, caro leitor, estamos falando do movimento que foi marcado por ser revolucionário em seu estilo de escrita, e de um autor cujo mesmo estilo o conferiu um prêmio Nobel de literatura.
A maioria dos leitores que tenta se aventurar pela escrita de Faulkner em O som e a fúria costuma levar um grande susto e partir para outra leitura, devido a sua dificuldade. Isso se dá devido ao fato do escritor derivar os seus artifícios daqueles que foram usados com maestria por James Joyce cinco anos antes do lançamento da obra que tratamos aqui. O chamado Fluxo de consciência é uma técnica de escrita que consiste em "transcrever o processo de pensamento de um personagem, com raciocínio lógico entremeado com impressões lógicas e pessoais momentâneas e exibindo os processos de associação de ideias", de acordo com a Wikipédia. William Faulkner se apropriou da ideia e adaptou-a a seu estilo: enquanto na obra de Joyce os pensamentos dos personagens estavam sempre no momento presente, em sua obra tudo se dava sempre no passado. Não existe noção do agora para eles, mesmo estando vivendo o momento ali, agora. Tudo o que se é retratado é sempre como se já houvesse acontecido, criando um obstáculo na existência do porvir e mantendo sempre a ideia de um futuro pretérito. Mas, esse não é o empecilho que dificulta a leitura e afasta tantos leitores de concluir essa obra de arte, apesar de ser o maior. Quando começamos a ler, o primeiro capítulo é do ponto de vista de Benjy, o irmão que é deficiente. Pensem só, ler um capítulo narrado pelo ponto de vista de um homem de 33 anos com idade mental de 3. Vou deixar um trechinho para vocês entenderem como que isso funciona.
Enquanto eu lia a obra, fiz algumas pesquisas sobre o livro em si e achei uma coisa interessante, que só cheguei a perceber depois de adentrar no segundo capítulo: o capítulo de Benjamin contém a história do livro inteira, apesar de não sermos capazes de reconhecer isso à primeira vista. Navegando num mar inconstante de momentos que se quebram e se reconectam no tempo, o primeiro narrador nos apresenta momentos em que sua irmãzinha Caddy escala uma árvore e depois molha sua calcinha na lama brincando (sendo isso, talvez, uma ilusão a sua futura conspurcação sexual que incitou em Quentin toda a sua crise?) e no parágrafo seguinte temos um Caddy que tem uma filha. Isso sem contar a existência de personagens que possuem o mesmo nome na trama e tem o propósito exato de tornar o seu primeiro contato extremamente difícil e que requer uma cautela sem tamanho. Mas assim que passado o capítulo de Benjy, as coisas começam a engrenar de modo que você consegue reconhecer aquilo que te deixou em completa dúvida em um primeiro momento (não garanto que todas as suas perguntas serão sanadas, mas grande parte delas serão). E assim adentramos na segunda parte das quatro.
Um salto no tempo de 18 anos é feito e vemos aqui um Quentin calouro em Harvard. Esse é o último dia de sua vida. Acho que de todos, esse é o capítulo que, além de mais extenso, é o mais denso em questão de conteúdo. Por mais que o capítulo de Benjy contenha toda a história, o capítulo de Quentin é o que a torna detalhada. Aqui nós presenciamos uma quebra total da sequência linear cronológica, mais ainda que presenciamos no início, e tudo se mescla em uma única linha de pensamento, marcada pelo momento que ele quebra o relógio de seu avó na quina de um móvel e retira seus ponteiros, deixando apenas o carrilhão continuar rodando. Lembrei muito da leitura de O Homem Duplicado, do Saramago, enquanto lia a parte do Quentin, por conta da ausência maior de pontuação em um geral. Muitos dizem que acharam essa a parte mais difícil, e que sentiram vontade de largar o livro de lado. Eu vou ser sincero que achei essa a parte mais interessante das quatro. Tudo que acontece tem uma explicação aqui. Queria destacar totalmente a parte que concerne o ato incestuoso dos dois, que é basicamente o que marca todo o pensamento do personagem ao longo de sua sequência. Temos um grande vaivém de momentos que marcaram (a maioria negativamente) a vida do rapaz, e o principal deles é a descoberta da perda da virgindade da irmã. Isso o leva a construir uma paranoia em sua cabeça (que é descrita de maneira genial no apêndice: "Amava não a irmã, mas sim a honra dos Compson protegida fragilmente pela fina espessura do hímen da mesma" em paráfrase) que é narrada ao longo de toda a parte. Acho que grande parte da genialidade do autor foi concentrada nos dois primeiros capítulos.
Os dois seguintes são uma construção mais simples e linear. O capítulo de Jason e de Dilsey, pelos quais não vou me estender muito, são de dois dias seguidos e relatam o horror da figura de Jason em relação à filha bastarda (ou seria filha de uma relação monstruosa já que "não há como negar, ela é a cara dos dois") de Candance, que recebeu o mesmo nome do irmão: Quentin. Os dois capítulos abordam a relação familiar que restou depois da morte de Quentin e à fuga de Caddy, mostrando o restou da frágil honra da família. Ponto de destaque para a presença de Dilsey, que nesses capítulos, tem sua importância completamente ressaltada, mostrando-se quem verdadeiramente mantém aquele lugar (e mesmo a família) de pé sobre os escombros de desgraça que os cobrem.
Acho que falei o suficiente acerca da estrutura do texto, mas vou ressaltar, como havia dito que faria, sobre como eu fiz para não me perder em tanta informação desordenada que nos é mostrada. A partir do momento que eu comecei a entender que o segundo capítulo dava informações que completavam o que havia sido jogado no primeiro, eu comecei a marcar certos fatos com post-its, e admito que foi uma ideia que me ajudou muito para conseguir me manter na linha do pensamento que estava sendo construído. Não vou mentir: é uma leitura difícil e complexa, e não é para quem acabou de ingressar no mundo da leitura. Uma bagagem literária é um requisito importante para conseguir se adequar ao estilo corrido e quebrado de Faulkner. Uma boa recomendação é a de ler livros que foram precursores para o modernismo (aqui no Brasil temos Clarice Lispector, no qual o estilo tem sutis semelhanças, mas já é algum jeito de começar) ou até mesmo livros que bebem da fonte do fluxo de consciência, como On the Road, do Jack Kerouac, Ulisses, do James Joyce e algum da Virgínia Woolf (esses aqui são recomendações por tabela, pessoal haha).
Muito do que escrevi aqui se traduz na linguagem incrível de Sartre, que escreveu um pósfácio para o livro e que está presente ao final da obra pela Companhia das Letras. Umas nota muito importante sobre a tradução também se encontra lá, e recomendo a leitura como forma de entender as decisões tomadas pela equipe ao traduzir certos diálogos e dialetos existentes no livros. E claro, acho que todos que leram Macbeth conhecem a derivação do título da obra e a referência na qual "A vida nada mais é do que uma história cheia de som e fúria, contada por um tolo, e que nada significa" o nosso tolo é o prórpio Benjy, que fecha a história com seu grito que continha todo o horror do mundo.
É uma recomendação fortíssima para aqueles que buscam um desafio e uma história incrível, apesar de densa e muito, mas muito pesada. Além dos textos ao final do livro, recomendo a leitura desse artigo sobre como funciona o tempo na visão de Benjy
Nota final!
5 limõezinhos!
Comentários
Postar um comentário